Em mais de 30 anos de altos e baixos, o setor de transporte público – em especial o de ônibus urbano – jamais vislumbrou, nem no pior dos cenários, uma situação tão caótica como a atual. Quando se acreditava que o setor seguiria em frente, novamente engata-se a marcha à ré.
O recente veto presidencial ao auxílio emergencial de R$ 4 bilhões teve um impacto tão devastador quanto a enorme queda do número de passageiros, que ameaça a sobrevivência do serviço de ônibus no País, da forma como funciona hoje.
Definitivamente, jogou uma pá de cal sobre expectativas e planos de reabilitação deste serviço, reconhecido na Constituição federal como um direito social, tal qual saúde, educação e segurança.
Atividade indutora da economia, que vive o pior momento da história, o transporte público vem levando há anos a culpa por não atender às expectativas da sociedade por eficiência e qualidade. Mas isso pode mudar, a partir do momento que cada ente assuma, de fato, suas obrigações e responsabilidades na gestão deste serviço.
As empresas operadoras sempre amargaram a fama de vilãs, basicamente por estarem condicionadas às obrigações definidas nos contratos de concessão. Cabe ao contratante – o poder público local – dizer qual o valor da tarifa a ser aplicada, de que forma o serviço deve funcionar e qual o nível da qualidade ofertada pelas contratadas, as empresas operadoras. É do poder público a responsabilidade da gestão, não do empresário.
Enquanto se aguarda que o governo federal reveja a decisão de vetar o socorro financeiro ao transporte público – que não se enquadra na condição de favor, já que as empresas têm o compromisso de manter a oferta do serviço mesmo operando com prejuízo -, é importante que se entenda a gravidade da situação.
O transporte coletivo é, reconhecidamente, um dos segmentos mais afetados pelo impacto da pandemia.
A atividade, que responde por 405 mil empregos diretos e 1,2 milhão de empregos indiretos, já perdeu 61.436 postos de trabalho de janeiro a novembro de 2020.
O setor, que já vinha sofrendo com uma queda de quase 30% no número de passageiros nos últimos anos, tem agora de manter uma oferta média de serviço superior ao número de passageiros transportados para reduzir aglomerações e atender às necessárias medidas sanitárias de combate à proliferação do coronavírus, o que agrava ainda mais o enorme desequilíbrio econômico-financeiro dos operadores.
Esta equação não fecha. Se nada for feito, neste início de ano teremos inúmeras empresas sem fôlego para operar, no momento em que o País mais precisa assegurar empregos e adotar medidas para a retomada da economia.
Para os que ainda acreditam que os fatos citados não passam de chororô de empresário, recomenda-se que procurem conhecer as políticas robustas de proteção do transporte público adotadas por outros países durante a pandemia, países que enfrentaram os mesmos desafios, mas que, diferentemente do Brasil, escolheram o caminho do fortalecimento de seus sistemas de transporte coletivo.
Não se trata de ameaça, muito menos de espalhar o medo sobre o risco de interrupção ou mesmo do fim da oferta do serviço de ônibus no Brasil com este quadro de morte lenta, mas sim de imputar a quem de direito as responsabilidades envolvidas.
Ainda dá tempo de virar este jogo e fazer de 2021 o ano histórico da grande mudança do transporte público no Brasil, com uma profunda reforma em seu marco legal. É o que se espera daqueles que têm o poder de decisão. A sociedade merece e as empresas operadoras têm capacidade de oferecer um transporte público eficiente e de qualidade.
Basta que deem as condições para isso.
Por Otávio Cunha – presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)
Fonte: Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)