Artigo de Eduardo A. Vasconcellos.
O trânsito de São Paulo segue em condições congestionadas, com grandes impactos negativos à sociedade. Melhores condições de mobilidade requerem mudança na visão do problema, especialmente no tocante ao uso do automóvel e aos benefícios que vem recebendo.
A vantagem no uso do automóvel está ligada a subsídios diretos e indiretos: os subsídios à gasolina; o estacionamento gratuito diário de 1 milhão de automóveis nas ruas, que é um subsídio oculto de no mínimo R$ 3 bilhões por ano (caso fossem cobrados R$ 10 por veículo) —os milhares de quilômetros de faixas asfaltadas usados para estacionar veículos gratuitamente custaram bilhões de reais à cidade e requerem manutenção permanente; e o sistema de táxi, um automóvel alugado com motorista, que recebe cerca de R$ 250 milhões de subsídios por ano, além de reduzir a eficiência dos ônibus nos corredores, aumentando seu custo operacional e a poluição.
Por isso, os automóveis são 80% dos veículos nas vias principais, ocupando muito mais espaço que os ônibus para transportar uma quantidade menor de pessoas. Precisamos entender que o veículo automóvel requer grande espaço para circular e que é fisicamente incompatível com o sistema viário —nenhuma grande cidade no mundo conseguiu acomodar seus automóveis.
No congestionamento da tarde em São Paulo, apenas 15% dos veículos estão simultaneamente nas ruas. A conclusão final é simples: não cabe e nunca caberá.
Muitos estudos foram feitos para estimar os impactos de ações para mudar o sistema de mobilidade. O último deles, para o horizonte de 2030, mostrou que, apesar de um grande investimento nos sistemas de transporte público, sua participação nos deslocamentos das pessoas não aumentaria significativamente.
A explicação é simples: o estudo não contemplou medidas de restrição ou desincentivo ao uso excessivo do automóvel.
Por trás do resultado frustrante está a lógica de escolha dos modos pelas pessoas: o usuário faz a escolha considerando principalmente o conforto e o custo direto de uso, que no caso do automóvel é o combustível e, em apenas 10% dos casos, o estacionamento pago.
Assim, para a maioria dos que usam automóvel, o custo é inferior ou no máximo igual ao do transporte coletivo; usuários de autos (e motos) não mudam para o transporte coletivo. Por isso, o “mantra” sempre repetido sobre “melhorar o transporte público para atrair o usuário do automóvel” é, em grande parte, uma ilusão.
É necessário que o custo cobrado (e percebido pelas pessoas) por usar o automóvel incorpore os seus impactos físicos, ambientais e econômicos.
O custo precisa ser alterado para valores mais próximos dos europeus, em que usar o carro em grandes cidades custa de cinco a sete vezes mais que usar o transporte público em uma viagem similar. Caso contrário, não é possível evitar o uso excessivo do automóvel.
Na prática, poderíamos buscar as metas de 70% de participação do transporte coletivo nas viagens motorizadas (hoje é de 50%) e de redução de 30% do uso do automóvel no sistema viário principal durante o dia, que é possível para a maioria das pessoas.
É essencial complementar a rede de metrô; ampliar o sistema de preferência para ônibus; limitar o crescimento do sistema viário a casos muito especiais; definir uma política de estacionamento nas vias que cobre de quem estaciona o custo real de usar este espaço público; e avançar na reorganização da mobilidade nos bairros, para facilitar a caminhada e o uso da bicicleta, em um novo contexto de qualidade.
EDUARDO A. VASCONCELLOS é engenheiro civil, sociólogo, doutor em políticas públicas (USP) e especialista em mobilidade urbana; é diretor do Instituto Movimento e assessor da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos)
Fonte: Folha de S. Paulo