Segundo o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, as cinco propostas estão assentadas sobre três pilares principais – qualidade, preço acessível e transparência – e já foram apresentados à equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro. “Estamos propondo um plano emergencial para qualificar o transporte público por ônibus com melhorias na infraestrutura, na política tarifária e também na transparência para a sociedade. Sugerimos o investimento de 19 bilhões de reais nos próximos quatro anos para a implantação de corredores e faixas exclusivas nas cidades, além de melhorias nos terminais e nas paradas de ônibus”, explicou Cunha em entrevista por telefone ao Mobilize Brasil.
Em janeiro próximo as entidades pretendem lançar um Caderno Técnico com o detalhamento das propostas. O texto (veja abaixo) resume as principais sugestões.
Os cinco pontos:
# Equilíbrio econômico e financeiro
# Melhoria da qualidade do serviço prestado aos usuários
# Qualificação da infraestrutura para o transporte por ônibus
# Transparência
# Transporte público como instrumento de desenvolvimento social
Leia o texto resumo:
CONSTRUINDO HOJE O NOVO AMANHÃ:
PROPOSTAS PARA O TRANSPORTE PÚBLICO E A MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL NO BRASIL
Mais de 60 milhões de pessoas, em especial a parcela mais pobre da população nas cidades brasileiras é transportada diariamente pelo transporte público de passageiros. Fundamental para a grande parte da população brasileira, o transporte público tem características que o distingue de outros modos de transporte, qual seja a universalidade e a continuidade de atendimento na forma de redes de linhas e itinerários de ônibus ou de sistemas metroferroviários com capilaridade, horários e frequências disponíveis todos os dias da semana em todos os horários, faça chuva ou faça sol, com tarifas determinadas pelo Poder Público, características que ratificam seu caráter de serviço público essencial e, mais recentemente, de atendimento a um direito social nos termos da Constituição Federal do Brasil.
O transporte público de passageiros nas cidades e regiões metropolitanas do Brasil responde – ônibus urbanos, metrôs e trens metropolitanos – por mais de 500 mil empregos diretos. Trata-se de uma das maiores cadeias produtivas do país, uma verdadeira indústria, cujo valor adicionado de 64,8% (2005), é maior do que o valor adicionado do setor siderúrgico brasileiro, correspondente a 46,4% da receita e maior também, ainda, se comparado com o conjunto de 416 empresas (59 comerciais, 242 industriais e 115 prestadoras de serviço), segundo a FGV , cujo valor adicionado corresponde a 44,2% (Revista dos Transportes Públicos da ANTP/2012). É importante frisar que o setor de transporte público, apesar de seu caráter de obrigação social como a educação, saúde e segurança é o único desses que é custeado em sua quase totalidade pelo próprio usuário, onerando sobremaneira o orçamento da população.
Lamentavelmente, o transporte público por ônibus vem perdendo passageiros a cada ano. Isso está ocorrendo em razão de um conjunto de fatores, dentre os quais, predominantemente o valor da tarifa, fazendo com que muitos brasileiros passem a andar a pé. Outro motivo é o barateamento por incentivo governamental do uso dos automóveis e motocicletas além da pouca assistência que recebe para poder ofertar uma melhor qualidade. Nos últimos 30 anos, o volume transportado caiu cerca de 40%, diminuindo a produtividade do sistema (o IPK, índice que refere o volume de passageiros transportados por quilômetro rodado, caiu de 2,49 passageiros por quilômetro em 1991, para 1,42 em 2017). O resultado prático desta política que deu as costas para o transporte público e se voltou para o transporte individual são os congestionamentos das vias públicas, o consumo excessivo de combustíveis fosseis, a produção de poluição ambiental e uma quantidade inadmissível de acidentes e mortes no trânsito. Esse aspecto por si só de grande impacto para o desequilíbrio econômico e financeiro do sistema é agravado pela política de oferecer gratuidades sem que recursos públicos reponham a receita perdida, o que joga na maioria dos casos todo o peso e ônus para o passageiro que paga a tarifa integral.
Esse quadro coloca o transporte público rumo a uma crise cujas proporções são relevantes para toda a população. Por continuar a manter a universalidade e continuidade exigida por lei apesar da baixa produtividade, o sistema perde ainda mais sua eficiência resultando em perda progressiva de qualidade. Continuando o círculo vicioso, a baixa qualidade incentiva o abandono pelos passageiros reduzindo ainda mais a demanda. Essa precarização cada vez maior resulta em prejuízos inestimáveis para toda a população, mais ainda a de baixa renda, bem como à economia das cidades – diminuindo competitividade, aumentando custos, pressionando os gestores por soluções vendidas como verdadeiros milagres, mas de baixa eficácia para atender aos grandes desafios.
É fundamental reconhecer que o transporte público de passageiros com qualidade, transparência e preços módicos, da mesma forma que os outros serviços sociais, como educação e saúde, não cabe no orçamento das prefeituras, sendo necessária a mobilização para angariar recursos dos três níveis do Executivo.
Em face deste cenário crítico, mas possível de ser corrigido, a Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, a Frente Nacional de Prefeitos, a Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos – NTU e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana levam ao conhecimento do Presidente de República um conjunto de programas que são imprescindíveis para a produção de serviços de transportes públicos com mais qualidade, mais eficiência e a preços mais acessíveis a todos seus usuários.
As mesmas providências permitirão que o transporte seja mais atrativo também para os que usam os modos de transporte individual, reduzindo assim congestionamentos e seus efeitos indesejáveis como o consumo de combustível e as emissões danosas á saúde das pessoas e do planeta. documento anexo ao presente Resumo Executivo expõe, em detalhes, a proposta das referidas entidades, aqui sinteticamente descritas. Trata-se de um conjunto de programas que pode ser concretizado nos próximos quatro anos.
O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO
Atualmente é pressuposto de forma equivocada que o sistema de transporte público por ônibus pode ser mantido e aperfeiçoado com a receita das tarifas arrecadadas do passageiro que paga pelo transporte. Além de isso não ser possível ainda se joga sobre eles o ônus das gratuidades, que foram decididas pelo poder público para beneficiar as parcelas mais vulneráveis da sociedade.
Se, em vez disso, a sociedade através de recursos públicos arcasse com o reembolso das gratuidades, estima-se que as tarifas pudessem ser reduzidas em cerca de 20%. Mas isso seria suficiente apenas para manter os Sistemas de Transporte Público por Ônibus nos atuais níveis de qualidade, considerados na maioria dos casos insatisfatórios.
Por isso, o modelo de financiamento aqui proposto tem como objetivo prover os recursos adicionais necessários para viabilizar uma qualidade de transporte melhor. Para isso, parte da premissa de que os custos do transporte público devem ser suportados por toda a sociedade, com recursos de todas as esferas governamentais e não apenas pelos usuários diretos dos serviços e pelos municípios, uma vez que toda a sociedade, em especial o setor produtivo das cidades, dele se beneficia.
Entende o setor de transporte atualmente que a arrecadação vinda do passageiro dever ser complementada por meio de uma cesta de fontes de receitas não tarifárias e desonerações para cobrir os custos totais dos serviços prestados, viabilizando assim a melhoria da qualidade do transporte sem onerar exclusivamente o usuário pagante.
Os recursos extra tarifários seriam provenientes da contribuição dos que utilizam o transporte individual, de desonerações tributárias dos impostos envolvidos na cadeia produtiva dos serviços e também dos orçamentos públicos. Podem vir, por exemplo, de programas da Política Nacional de Assistência Social, no caso das gratuidades dos idosos e deficientes físicos e dos programas das Políticas Educacionais, no caso dos descontos aos estudantes, além de outras fontes.
Desonerações tributárias são importantes. Muitas empresas e cooperativas operadoras de serviços de ônibus são de menor porte, para as quais tributos municipais, como o IPTU e o ISS, pesam. Sempre devemos ter em mente que, no cálculo das tarifas das concessões ou permissões, como em qualquer outro serviço ou produto, os tributos levam a tarifas mais altas. Tributos estaduais como ICMS e federais como o IPI também podem contribuir para desoneração. Representam pouca receita para a Administração, mas grande ônus para o passageiro.
O proposto não é uma inovação e é muito comum em grandes metrópoles mundiais como Nova York, Londres, Paris e Barcelona.
Os incentivos ao transporte individual adotado no Brasil são altamente regressivos. Isto é, beneficiam mais quem tem mais e menos, ou nada, quem tem menos. A política de desoneração da indústria automobilística foi assim. No afã de promover o emprego e a renda, beneficiou apenas um dos setores econômicos que é responsável por um número muito menor de empregos que a indústria do transporte público. Além disso, no caso do transporte púbico por ônibus e das cidades e seus habitantes foi desastrosa. Entulhou as ruas de carros, congestionando o trânsito, aumentando a poluição, alongando os tempos de viagem, etc.
É justo, portanto, que o transporte motorizado individual contribua para o desenvolvimento e modernização do transporte coletivo. Sob essa ótica é natural que recursos advindos do IPVA dos automóveis e da CIDE sejam dedicados para os programas propostos nesse sentido. Ademais outras fontes orçamentárias podem contribuir para completar a cesta de novos recursos para o setor.
MELHORIA DA QUALIDADE DO SERVIÇO PRESTADO AOS USUÁRIOS
A melhoria da qualidade da mobilidade urbana e, em especial, do transporte público, expressa em atributos que são caros aos usuários, é perfeitamente alcançável. Para tanto, é necessário que poderes concedentes e operadores privados voltem-se objetivamente a esse propósito, utilizando meios e tecnologias de gestão atuais e amplamente disponíveis no mercado.
Atributos da qualidade como pontualidade, regularidade dos intervalos, confiabilidade de tempos de viagem, cumprimento das viagens programadas, qualidade dos veículos, segurança para os passageiros e informações adequadas disponíveis ao público são atributos que já se apresentam em muitos sistemas metroviários e em alguns poucos utilizando ônibus, mas que com as providências aqui indicadas podem ser obtidos na maioria dos sistemas de transporte público que transitam nas vias públicas.
Os protestos de 2013, acompanhados de profunda crise no setor, serviram para mostrar aos agentes públicos e privados que nele atuam que é imperiosa uma ação conjunta, abrangente e consistente, para fazer frente às dificuldades. Essa ação, resumida numa gestão efetiva de qualidade, pode ser encetada utilizando de métodos consagrados e tecnologias inovadoras: conhecimento dos usuários, seus valores e de como eles percebem os serviços; estabelecimento de padrões de qualidade objetivos e mensuráveis tanto do ponto de vista dos usuários quanto da sustentabilidade dos sistemas, mesmo em cidades de médio porte; a medição continuada desses padrões com o emprego efetivo e intensivo dos sistemas inteligentes de transportes hoje disponíveis; o aperfeiçoamento da capacitação de operadores e gestores públicos para o uso intensivo desses instrumentos; e o intercâmbio de informações entre cidades numa salutar e permanente troca de informações em busca da melhoria da mobilidade nas cidades brasileiras têm um preço, mas pode ser obtida.
QUALIFICAÇÃO DA INFRAESTRUTURA PARA O TRANSPORTE POR ÔNIBUS
Qualificar a infraestrutura para o transporte público por ônibus de maneira emergencial, garantindo sua prioridade na via pública, com a implantação de cerca de 10 mil quilômetros de faixas e corredores para ônibus. A iniciativa corresponde a recursos da ordem de 19 bilhões de reais a serem disponibilizados pelo Governo Federal, nos próximos quatro anos. Eles são considerados tecnicamente indispensáveis para o imediato, mas indispensável aumento da produtividade, expresso na redução de custos operacionais; da qualidade ambiental, com a redução de consumo de combustível e de emissões de poluentes, e especialmente da qualidade de atendimento ao público, oferecendo viagens mais rápidas, regularidade de intervalos, confiabilidade nos tempos de viagens e outros benefícios. Acrescente-se que este aporte não exclui a necessidade de investimentos maciços na expansão das redes e do atendimento do transporte público.
TRANSPARÊNCIA
A transparência é de fundamental importância para o acompanhamento da gestão pública e tem como objetivo responder como, quanto, quando e onde os gestores estão aplicando os recursos públicos. A Constituição Federal, artigo 37, estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que devem ser obedecidos pela Administração Pública, exigindo prestação de contas de agentes públicos e privados, ou seja, responsabilidade com ética (“accountability”). A relação entre a Administração e a sociedade deve se pautar pelo interesse público e o cidadão deve deixar de ser mero espectador e usuário dos serviços prestados, mas também protagonista da elaboração, acompanhamento e fiscalização das políticas de interesse coletivo.
No tocante ao transporte público, a produção dos serviços envolve um conjunto de estudos e decisões na definição da oferta de transporte que implica diretamente no seu custo operacional para determinado nível de qualidade pretendida do serviço e que não são inteiramente conhecidos pela população e nem pelos usuários do transporte. Da mesma forma, a população desconhece a forma como se dá o custeio do transporte, como se determinam os seus custos, como se determinam as tarifas públicas e quais as regras de prestação dos serviços pactuadas em contrato com os operadores privados.
Grande parte da percepção negativa da imagem da população em relação ao transporte público de passageiros deriva do desconhecimento das regras do jogo, das implicações que cada atributo de qualidade representa para o custo do serviço prestado. Mais ainda, de que a responsabilidade pela qualidade do serviço envolve em primeiro lugar obrigações do poder público antes de ser possível exigir a parte do operador privado.
A velocidade e regularidade das viagens são determinados pela condição para circulação das vias e as prioridades atribuídas aos ônibus, ambos os fatores sob a administração pública. As calçadas, iluminação pública e pontos de ônibus são importantes para a qualidade e segurança da viagem e são da responsabilidade também pública. Sem a transparência necessária, o transporte público fica sujeito a preconceitos, opiniões apressadas de formadores de opinião pública e tratamento pela mídia muitas vezes inadequado e equivocado.
O que se propõe é o fim da “caixa-preta” com ampla divulgação e disseminação das informações, fundamental para a construção de vínculos de confiança e de respeito entre população, poder público, e operador privado.
TRANSPORTE PÚBLICO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Finalmente, uma vez definidos a infraestrutura e a qualidade do transporte que se quer oferecer aos usuários, a forma de financiamento do seu custeio e a transparência necessária nas decisões tomadas pelo poder concedente, é fundamental estabelecer um programa de comunicação eficaz com a população.
O papel do transporte público como serviço essencial e direito social é conhecido, mas não é compreendido pelo público, que também ignora como o serviço opera. Soma-se a isso a imagem negativa que o transporte público tem perante a sociedade, fruto de seus históricos problemas estruturais. Por falta de propostas concretas de soluções, como as aqui alinhavadas, tem-se uma baixa adesão ou mobilização dos usuários em apoio ao transporte público e uma visão distorcida da sociedade quanto às responsabilidades do setor público e dos operadores do serviço, o que dificulta a criação ou o aprimoramento de políticas públicas para o transporte e investimentos para o setor. No entanto, existem vários exemplos no Brasil em que medidas tomadas e investimentos realizados como os propostos neste documento sempre resultaram em serviços com a mesma qualidade e com a plena aceitação de seus usuários.
Para responder a esses desafios, este programa propõe fazer do transporte um instrumento de desenvolvimento social, tornando-o um elemento transformador – seja da vida das cidades, como um direito social e um indutor da inclusão social, da mobilidade e da sustentabilidade; seja da vida das pessoas que o utilizam diariamente, pela possibilidade de oferta de uma melhor experiência de viagem, que torne relevante o tempo despendido na forma de oportunidades de desenvolvimento pessoal.
Nesse sentido, o serviço precisa adquirir a capacidade de se comunicar com a sociedade em geral, propiciando a ampliação do conhecimento e entendimento sobre a natureza e a importância do próprio serviço, além de dialogar com seu público usuário, utilizando canais digitais hoje amplamente difundidos e acessíveis. Esse diálogo pode se desdobrar tanto no acesso à informação quanto num vetor de formação para os clientes mais frequentes do serviço, por meio da oferta de informes, entretenimento e conteúdos educativos durante os deslocamentos.
As horas de deslocamento, somadas, podem se transformar em insumo de alto valor para o desenvolvimento humano, se forem utilizadas pelo público usuário do serviço para acessar informações educativas, culturais, de utilidade pública ou programas de formação ou reciclagem ofertadas. Isso permitiria agregar propósito e qualidade às viagens, tornando a mobilidade mais produtiva e agradável, além de minimizar o peso do tempo despendido, contribuindo assim para fidelizar o cliente e recuperar parcela dos usuários que deixaram de utilizar o transporte público.
Fonte: Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU