CARTA ÀS CANDIDATURAS ELEITORAIS DE 2018.
A sociedade brasileira enfrenta atualmente graves desafios em todos os níveis, que se desdobram em inúmeros problemas concentrados nos territórios urbanos, responsáveis por abrigar mais de 80% da população do País. A viabilidade futura dos espaços urbanos e a mobilidade eficiente, sustentável e inclusiva apresentam-se como questões centrais nesse conjunto de desafios, sendo a verdadeira base sobre a qual se estrutura a organização social e econômica das cidades, indispensável para o alcance da qualidade de vida, a plena inserção econômica e a redução das desigualdades sociais da população. Não existe solução definitiva para a mobilidade urbana que não seja apoiada no transporte público coletivo. Para assegurar o cumprimento do direito básico de ir e vir, de modo a atender efetivamente às necessidades e anseios da população, é necessário fortalecer as redes públicas de transporte nos ambientes urbanos. O transporte público é um direito social, assegurado na Constituição, e um serviço público essencial, que tem o compromisso de atender a população de forma universal, contínua e a preços módicos. Cerca de 50 milhões de cidadãos e cidadãs dependem do transporte público para trabalhar, estudar e realizar todas as suas atividades, sendo que 86% desse total utilizam os ônibus urbanos em seus deslocamentos diários. Apesar da sua importância, o transporte público enfrenta uma grave crise, que se traduz pela perda de 25% da sua demanda nos últimos quatro anos, resultado dos desequilíbrios estruturais, do estímulo ao transporte individual e da falta de políticas públicas integradas que respondam de forma efetiva à complexidade das barreiras enfrentadas por essa atividade fundamental. Os usuários e usuárias do transporte público, que compõem a maioria do conjunto de eleitores, estão conscientes da sua importância e têm demandado uma resposta concreta do poder público para os principais desafios do setor, considerado pela população como o 4º principal problema urbano do País. Estamos hoje diante da oportunidade de construir coletivamente essa resposta. Nesse sentido, o segmento empresarial de transporte público urbano por ônibus, representado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), vem a público para dar sua contribuição, com base na experiência de cerca de 1.800 empresas concessionárias que operam serviços organizados de transporte público por ônibus em 2.901 municípios brasileiros. Nossa proposta está voltada para o efetivo cumprimento do papel social e compromissos do setor e se traduz em uma única bandeira:
POR UM TRANSPORTE PÚBLICO COM QUALIDADE, TRANSPARÊNCIA E PREÇOS ACESSÍVEIS AOS PASSAGEIROS.
Tal objetivo não é utópico e pode ser alcançado por meio da implantação de um conjunto de políticas públicas integradas, cuja implementação demanda poucos investimentos públicos e oferece
grande potencial de resultados, alguns imediatos, alcançáveis dentro do horizonte de quatro anos do novo Governo Federal e demais esferas de governo. Para que esse objetivo seja atingido, propõe-se que o poder público, o setor empresarial e a sociedade adotem um conjunto de seis programas de ação, que estão relacionados entre si e que foram estruturados a partir de boas práticas já testadas e comprovadas por meio de experiências nacionais e internacionais exitosas, e que podem ser replicadas por todo o País.
QUALIDADE
Para alcançar esse objetivo, a proposta se desdobra em três programas:
1. Programa Emergencial de Qualificação da Infraestrutura para o Transporte Público Urbano por Ônibus – as cidades brasileiras devem priorizar o transporte público coletivo em detrimento do transporte individual motorizado, conforme a principal diretriz da Política Nacional de Mobilidade Urbana, definida pela Lei 12.587/2012. Nesse sentido, a priorização do transporte público por ônibus é essencial para viabilizar um serviço de melhor qualidade aos usuários, com potencial comprovado para promover o avanço da qualidade de vida da população. Os Sistemas BRT (Bus Rapid Transit) e BRS (Bus Rapid System), operados em corredores e faixas exclusivas, são exemplos de prioridade do modo ônibus que geram benefícios diretos, além de externalidades positivas para a sociedade. Projetos de priorização permitem, a partir da separação do tráfego de ônibus dos demais veículos, o aumento da velocidade de circulação do transporte público, a redução dos tempos de viagem, a otimização da frota operacional e a redução dos custos do serviço. Outros benefícios significativos também podem ser observados, entre eles a redução do consumo de combustíveis, a diminuição da emissão de poluentes – em linha com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris –, a queda do número de acidentes a partir da reorganização do trânsito, a atenuação dos congestionamentos e o aumento do índice de satisfação dos usuários.
PROPOSTA: criação de um programa de investimentos do Governo Federal para financiar a implantação, pelas prefeituras, de medidas de priorização do transporte coletivo no sistema viário
(corredores e faixas exclusivas), complementadas pela qualificação dos pontos de parada, informação ao usuário e fiscalização eletrônica (Sistemas BRS), a partir de projetos desenvolvidos
no âmbito municipal e por meio de processo simplificado de enquadramento e liberação de recursos pelo Ministério das Cidades.
META: implantação de 10.000 km de corredores ou faixas exclusivas qualificadas para ônibus em quatro anos nas 111 cidades brasileiras com mais de 250 mil habitantes, por meio do investimento de R$ 3 bilhões de recursos do Orçamento Geral da União (OGU).
2. Programa de Padrões de Qualidade para o Transporte Público Brasileiro – a definição e adoção de padrões de qualidade representa um passo indispensável para a transparência e a melhoria do transporte público. Assim, define-se não somente as referências esperadas nos serviços ofertados, como também é estabelecido o custo associado à qualidade planejada. Escolher os elementos fundamentais desejados, as ações necessárias para alcançá-los e monitorar a efetividade por meio de indicadores é um processo que garante a eficiência do transporte público no pleno funcionamento das cidades e a qualidade de vida da população. Isso envolve a participação integrada de operadores, órgãos gestores e sociedade em prol da melhoria da mobilidade urbana. Entre os aspectos essenciais para composição do plano de qualidade do transporte público, devem ser considerados: a disponibilidade da rede de transporte; a rapidez nas viagens; a integração entre os modos de transporte; o conforto em estações, terminais e veículos; o atendimento e informação aos passageiros; e a redução de emissão de poluentes.
PROPOSTA: criação de um programa de padrões de qualidade que inclua a seleção dos indicadores, estruturação e implantação de ações em prol da qualidade do transporte público, incluindo
a adequação dos programas de capacitação dos colaboradores e a criação de um sistema de acompanhamento, baseado no estabelecimento de metas aferidas por pesquisas periódicas.
METAS: cumprimento de metas de redução dos tempos de viagem; aumento da regularidade da oferta dos serviços; melhoria dos índices de cumprimento de viagens; sistemas de informação
para usuários; e melhoria no tratamento dispensado aos passageiros, entre outras.
3. Programa Transporte Público Brasileiro como Instrumento de Desenvolvimento Social – o transporte público oferece uma oportunidade única de desenvolvimento humano e social para milhões de pessoas que utilizam diariamente esse serviço. Entretanto, parcela considerável da sociedade brasileira não tem acesso ao transporte por falta de condições financeiras, o que limita sua inclusão social. Além de poder assegurar o direito constitucional de ir e vir para a grande maioria da população brasileira, o transporte público pode também se tornar um meio de acesso tanto à informação quanto à formação para seus usuários. A estrutura física do transporte público – veículos, pontos de parada e terminais – pode se converter em espaço de promoção de uma agenda positiva, funcionando como suporte para a disseminação de campanhas de comunicação de utilidade pública ou de caráter educativo. Além disso, o uso propositivo das modernas tecnologias de conectividade móvel, associadas aos espaços de comunicação disponíveis nos veículos e terminais, pode transformar o transporte público em ambiente de aprendizado e de fortalecimento da cidadania. Dadas as características socioeconômicas do público usuário, os maiores beneficiados serão potencialmente as pessoas de menor nível educacional e menor poder aquisitivo, reforçando o papel social da iniciativa.
PROPOSTA: recuperar parcela dos usuários excluídos do transporte público por falta de condições financeiras para pagar as passagens, por meio de ações de valorização do transporte público
e da adoção de uma nova política tarifária (ver programa cinco); utilizar o ambiente dos ônibus urbanos, durante o período de tempo que os passageiros passam em viagens, para realização de ações de cidadania por meio da oferta de informação e formação com foco nas áreas de saúde, educação, cultura e lazer.
METAS: universalizar o acesso ao transporte público por meio da redução das tarifas aos usuários (ver programa cinco) e de ações de promoção e valorização do serviço; engajar pelo menos
10% dos usuários do serviço que dedicam tempo considerável aos deslocamentos diários nas campanhas e ações educativas oferecidas; transformar o ambiente do transporte público em ambiente de convivência social, tornando as viagens mais produtivas e agradáveis; e reforçar a responsabilidade social das empresas do setor.
TRANSPARÊNCIA
Será alcançada por meio de um programa específico:
4. Programa de Transparência para o Transporte Público: toda cidade ou região metropolitana deve ter a exata noção dos principais elementos associados ao transporte coletivo por ônibus: oferta, demanda, receitas e custos. Essa premissa é inquestionável, pois só assim será possível estabelecer uma discussão transparente com a sociedade sobre qualidade dos serviço e preços (tarifas) pagos pelos usuários. Para atingir esse objetivo, é preciso atuar para que sejam adotados procedimentos técnicos e institucionais voltados a coletar dados e quantificar esses elementos principais. Atualmente, os recursos tecnológicos (GPS e bilhetagem eletrônica) já permitem o acompanhamento e disponibilização de dados detalhados sobre oferta, demanda e receitas. A partir deles, pode-se aplicar o Método de Cálculo dos Custos dos Serviços de Transporte Público por Ônibus (Planilha ANTP), instrumento que garante o respaldo técnico necessário para os cálculos dos custos dos serviços.
PROPOSTA: criação de um programa de transparência que produza informações claras e transparentes sobre a quantidade de serviço de transporte ofertado em cada rede de transporte,
sobre a demanda atendida e as receitas auferidas e sobre os custos dos sistemas, por meio do uso das ferramentas de bilhetagem e de gestão operacional para levantamento dos dados. Inclui a
adoção de planilha de custos com base científica que permita rigor e precisão nos cálculos, auditagem dos sistemas de bilhetagem e gestão operacional, capacitação dos operadores e estruturação
dos órgãos gestores públicos para planejar e fiscalizar a atividade.
METAS: informações sobre oferta, demanda, receitas e custos do transporte público disponíveis para toda a população e utilizadas na gestão e melhoria contínua do serviço, com recuperação da
confiança da sociedade.
PREÇOS ACESSÍVEIS
Esse objetivo pode ser alcançado com a implantação de dois programas:
5. Programa de Financiamento do Custeio do Transporte Público Coletivo Urbano – o modelo utilizado atualmente no Brasil para cobertura dos custos do transporte público coletivo urbano, principalmente por ônibus, encontra-se totalmente esgotado e está na contramão dos modelos adotados por países que oferecem um transporte de qualidade. Apesar de a Lei nº 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, ter, no seu artigo 9º, diferenciado tarifa pública (preço cobrado do usuário) de tarifa de remuneração da prestação do serviço (valor pago ao concessionário ou permissionário), na grande maioria das nossas cidades prevalece a antiga regra pela qual a receita da tarifa pública cobrada dos usuários deve cobrir a totalidade dos custos de prestação dos serviços. Além disso, deve cobrir também os custos das gratuidades e benefícios tarifários criados por um emaranhado de leis originadas nas três instâncias de governo sem a definição de fontes de recursos. O alto custo das tarifas tem gerado perda de passageiros: pesquisa recente demonstrou que 29% das pessoas que deixaram de utilizar ônibus passaram a se deslocar a pé; por outro lado, 62,9% de todos os ex-usuários disseram que voltariam a utilizar o transporte público se houvesse redução nos preços. O problema foi agravado pelas políticas de incentivo à aquisição de automóveis e motos adotadas nos últimos anos; isso provocou o crescimento incontrolável dos congestionamentos de trânsito nas cidades brasileiras, degradando significativamente a qualidade do serviço público e gerando um custo adicional aos usuários, decorrente da perda de produtividade dos serviços de ônibus, superior a 20% do valor das tarifas.
PROPOSTA: adotar a tendência mundial onde o transporte público coletivo urbano é considerado insumo essencial da atividade e do desenvolvimento econômico, tendo, por essa razão, seus
custos suportados por toda a sociedade e não apenas pelos usuários diretos. Isso seria realizado por meio da adoção de um novo modelo de financiamento do custeio do transporte público coletivo
urbano, no qual a receita tarifária é complementada por meio de uma cesta de fontes de receitas não tarifárias e desonerações para cobrir os custos totais dos serviços prestados, viabilizando
assim a melhoria da qualidade do transporte sem onerar exclusivamente o usuário. O modelo teria as seguintes características:
– Participação dos três níveis de governo, com recursos orçamentários
– Desvinculação da tarifa pública da tarifa de remuneração da prestação do serviço
– Contribuição do transporte individual motorizado para ajudar a financiar o transporte coletivo
– Desoneração tributária da atividade
– Custeio pelos orçamentos públicos das gratuidades e benefícios tarifários
– Criação de fundo específico para recebimento dos aportes e destinação dos recursos
– Fortalecimento do Vale-Transporte.
META: cobertura de até 50% dos custos totais do transporte público com receitas extratarifárias e desonerações, com redução da participação dos usuários do serviço na cobertura desses custos,
possibilitando o retorno de pelo menos 20% dos passageiros que deixaram de usar o ônibus urbano nos últimos anos (ver programa três).
6. Programa de Segurança Jurídica dos Contratos – o serviço público de transporte coletivo urbano de passageiros, com os atributos constitucionais de direito social e serviço essencial
(artigos 6° e 30 da Constituição), precisa estar protegido de qualquer tipo de falha ou desvio de interesse na definição e aplicação de normas contratuais que o afastem do seu objetivo principal,
que é proporcionar a mobilidade de uma determinada coletividade. Toda concessão de serviço de transporte público coletivo urbano ou de característica urbana deve ser precedida de seleção, cabendo à Administração Pública observar, além do interesse público, a devida transparência nos processos, incluindo audiências públicas prévias, editais claros e objetivos, e decisões administrativas bem fundamentadas. Da mesma forma, cabe ao poder público acompanhar e assegurar a adequada execução do contrato visando o pleno atendimento do interesse público, bem como exercer seu poder de fiscalização. O concessionário, por sua vez, deverá prestar o serviço de forma eficiente conforme previsão contratual e ser remunerado adequadamente para garantir a oferta do serviço, as melhorias tecnológicas e o retorno da atividade empresarial. Cabe aos concessionários e ao poder concedente cumprir com seus deveres e exigir o cumprimento de seus direitos contratuais, evitando que fatos externos comprometam direitos e obrigações das partes expressos no contrato de concessão, com reflexos negativos na prestação do serviço para a coletividade.
PROPOSTA: estabelecimento de processos para a concessão dos serviços de transporte público com editais e contratos claros e bem detalhados, debatidos em instâncias que assegurem a
participação social; adoção de procedimentos de revisão e ajustamento contínuo dos contratos às mudanças ocorridas ao longo do período de contratação, de modo a preservar o equilíbrio
econômico-financeiro da rede de transportes e a boa prestação do serviço; melhoria da gestão contratual pública e privada; adoção de fundo garantidor lastreado com recursos e bens públicos
e de cláusulas de arbitragem nos contratos do setor.
METAS: tornar a atividade de transporte público urbano mais segura e previsível do ponto de vista jurídico e econômico; atrair novos capitais para investimento no setor e promover o desenvolvimento setorial.
A implantação desses seis programas em escala nacional trará, além do alcance das metas definidas, um amplo conjunto de benefícios para a sociedade, entre eles a redução da inflação
dos preços administrados, resultante da redução do custo do transporte público; a geração de empregos e, consequentemente, mais arrecadação; e ganhos de produtividade, decorrentes da
redução do tempo desperdiçado no trânsito. Investir no transporte público é também um caminho eficiente e sustentável para ajudar o Brasil a superar sua crise econômica. Com base na experiência de outros países, é possível estimar que, para cada bilhão de dólares investidos no setor (R$ 3,7 bilhões), uma quantia equivalente a 1,8 bilhão de dólares (R$ 6,7 bilhões) é agregada ao PIB nacional, com geração de aproximadamente 36 mil empregos diretos.
O aumento da velocidade de circulação e a maior demanda de passageiros, fruto da migração de usuários do transporte individual para o coletivo resultante da priorização e de outras melhorias
do transporte público, trazem ainda ganhos ambientais expressivos, como a redução de emissões (um ônibus emite até oito vezes menos CO2 por passageiro transportado que um carro), e ganhos
para a saúde e a segurança viária, com a diminuição de doenças cardiorrespiratórias e a redução do número de vítimas de acidentes – o ônibus urbano é o modal mais seguro que existe no trânsito.
Fonte: Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU