Mudanças de hábitos, e-commerce, home office e priorização de veículos particulares são as principais causas da queda na demanda por viagens, segundo dados inéditos do Anuário NTU 2023-2024. Aumento no número de cidades que subsidiam as tarifas ou adotam a tarifa zero podem ajudar a reverter esse quadro

O Brasil registrou uma redução de 44,1% nas viagens de ônibus no transporte público urbano nos últimos dez anos. Isso significa que, em 2023, os ônibus urbanos transportaram menos 19,1 milhões de passageiros equivalentes (pagantes) por dia, em relação à quantidade transportada em 2014 (gráfico).

O fenômeno se intensificou no período da pandemia: em comparação a 2019, o ano passado fechou com uma queda de 25,8%. Isso significa que, nos últimos quatro anos, um em cada quatro passageiros deixou de utilizar o transporte coletivo por ônibus, nas cidades pesquisadas. As informações, inéditas, são doAnuário NTU 2023-2024, produzido pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Segundo especialistas do setor, a queda de passageiros pode ser explicada por diversos fatores, como o aumento do home office e do e-commerce, além da maior adoção de carros e motos. “Estamos num momento de transição. O setor vem se recuperando da dramática crise da covid-19, que intensificou a tendência de queda da demanda registrada nas últimas décadas, mas os dados mostram que a demanda de passageiros dificilmente retornará aos níveis pré-pandemia sem a adoção de novas políticas públicas, como um novo Marco Legal, priorização para o transporte público e incentivos governamentais”, refletiu Francisco Christovam, diretor executivo da NTU. “Estamos fazendo um seminário nacional para debater justamente a revitalização do transporte público e a reconquista do passageiro”, completou.

Subsídios e tarifa zero

Por outro lado, a quantidade de cidades brasileiras que subsidiam os passageiros do transporte público por ônibus aumentou significativamente nos últimos quatro anos. O relatório temático “Subsídios para o Transporte Coletivo Urbano por Ônibus”, encartado no Anuário NTU, revela que 365 cidades possuem, atualmente, algum subsídio tarifário em seus sistemas de transporte coletivo por ônibus. Desse total, 135 cidades que adotaram o subsídio total, ou tarifa zero. 

A amostra pesquisada pela NTU revela que a média dos subsídios aplicada atualmente, no Brasil, é de 30% do custo total dos serviços, ainda abaixo do patamar aplicado internacionalmente, em média 55%. Mas já representa um grande avanço em relação ao cenário pré-pandemia. “A ampliação do número de cidades que subsidiam os passageiros de seus sistemas de transporte coletivo contribui para manter as tarifas públicas baixas e é um atrativo para a volta dos usuários do serviço”, avalia Christovam.  

Indicadores e desempenho

O Anuário, com 11 indicadores, apresenta o desempenho do setor de transporte coletivo por ônibus no país nas áreas operacional, de insumos e de custos. A análise detalha o comportamento de nove sistemas de transporte público por ônibus em capitais e regiões metropolitanas, cobrindo dois períodos diferentes de cada ano da série histórica, os meses de abril e outubro, entre 1994 e 2023. 

Os sistemas monitorados incluem Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Esses sistemas representam 33% da frota nacional, que hoje é de cerca de 107 mil veículos, e 34% da quantidade de passageiros transportados no Brasil. Considerando os meses pesquisados, foram realizadas 204,6 milhões de viagens em abril do ano passado (contra 209,2 milhões em 2022), e 223 milhões em outubro de 2023 (contra 226,7 milhões em 2022), o que representa uma ligeira queda de 1%. 

Passageiro por quilômetro e produtividade

Em média, nos meses de abril e outubro de 2023, o transporte coletivo por ônibus registrou um índice de 1,54 passageiro transportado por quilômetro, retornando ao mesmo patamar observado entre 2016 e 2019. Em três décadas, os sistemas de transporte público por ônibus perderam 37,8% de produtividade. “Essa perda de produtividade tende a comprometer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, além da modicidade tarifária. Para reconquistarmos os passageiros, temos que oferecer um transporte de qualidade”, enfatizou Christovam.

Ele observa, no entanto, que uma mudança estrutural no sistema depende de um pacto federativo promovido pela União, estados, municípios, setor privado e sociedade civil. “É o município que define a quantidade de viagens, a frota de ônibus e o tipo de veículo, enquanto as operadoras executam o que foi estipulado pelos órgãos públicos”, explicou. “Sem a cooperação entre União, Estados e Municípios para criar melhores condições para os usuários do transporte público, continuaremos enfrentando esses desafios”, acrescentou.

Idade média da frota e custos

O Anuário também revela que, desde 2011, não ocorre redução na idade média da frota nacional de ônibus, que atingiu 6 anos e 5 meses em 2023, um recorde histórico. A idade média ideal seria de 5 anos. “A renovação dessa frota depende de mecanismos de financiamento acessíveis às empresas operadoras e que não onerem excessivamente o custo do serviço”, explicou Christovam.

O documento produzido pela NTU ainda trouxe a informação de que os salários dos motoristas aumentaram 11,8% nas capitais brasileiras, comparando 2022 e 2023, com aumentos reais nos rendimentos do período, considerando a inflação de 4,62% pelo IPCA. A mão de obra é o principal item de custo do serviço e representa 42,7% do custo total.

Soluções e perspectivas

Para o diretor executivo da NTU, além do aumento dos subsídios públicos para cobrir custos da operação, que podem reduzir as tarifas do transporte urbano, outras ações necessárias para a melhoria da mobilidade urbana e a recuperação da demanda de passageiros incluem a aprovação do novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo, atualmente em tramitação no Congresso Nacional; e financiamentos para a renovação e ampliação da frota, infraestrutura urbana e adoção de novas tecnologias, entre outros. 

Francisco Christovam enfatiza a importância do transporte público para o acesso aos direitos fundamentais dos cidadãos: “É por meio do transporte público que os alunos chegam às escolas, os pacientes alcançam os serviços de saúde e os trabalhadores se deslocam para seus empregos, garantindo segurança e pontualidade diariamente.”

PRINCIPAIS INDICADORES – Anuário NTU 2023-2024

Indicadores operacionais

Passageiros equivalentes (viagens realizadas)

• A análise da última década demonstra que, nesse período, a diminuição da quantidade de passageiros equivalentes foi de 44,1%.

• É possível confirmar que a demanda do transporte público por ônibus não retornará ao nível alcançado em 2019; a redução, em relação ao ano 2019, é de 25,8%.

Índice de passageiros equivalentes (viagens realizadas) por quilômetro (IPKe)

• Os sistemas de transporte público por ônibus perderam 37,8% de produtividade no período de 1993 até 2023.

Indicadores sobre insumos

Idade média da frota

• A idade média da frota atingiu 6 anos e 5 meses em 2023.

• Desde 2011, não há redução da idade média da frota. 

Indicadores de custos

Mão de obra

• Os valores médios de salários de motoristas, praticados em todas as capitais brasileiras, aumentaram 11,8% no comparativo dos meses de dezembro dos anos de 2022 e 2023.

• O custo de mão-de-obra representa 42,7% do custo total.

Custo por quilômetro

• O custo por quilômetro aumentou 3% em 2023.

Subsídios

• Atualmente, 365 cidades adotam subsídios públicos para cobrir parte dos custos de seus sistemas de transporte coletivo por ônibus. 

• Desse total, 135 cidades adotam a tarifa zero. 

Fonte: Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU