Não é novidade para ninguém que a operação dos sistemas de transportes de passageiros por aplicativos, seja urbano ou rodoviário, coloca em check regras e premissas que até pouco tempo eram consideradas exigências básicas para a operacionalidade dos sistemas de mobilidade urbana.
Por exemplo, quando se tolerou que um motorista, de qualquer modo de transporte, transportasse passageiro sem uma avaliação na sua ficha pessoal ou exames toxicológico e psicológico? Quando se ventilou a possibilidade dos órgãos gestores de transportes não terem acesso ao cadastro dos condutores?
Quando se permitiu que um motorista pertencente a uma determinada empresa, tivesse os seus direitos trabalhistas negados? Quando se imaginou que uma prestação de serviço, executada em território nacional, deixasse tão pouco de arrecadação fiscal?
Quando se aceitou que um veículo que transportasse passageiro, não tivesse que passar por vistorias mecânicas periódicas? Quando se cogitou que um passageiro ingressasse em um modo de transporte sem a cobertura de algum seguro?
Todas estas quebras de paradigmas são fatores decisivos para deixar os sistemas por aplicativos, sem nenhum tipo de regulação, mais competitivos. Mas, existe outro fator que atinge diretamente o bolso do condutor, que nada mais é do que a “mutilação” do seu instrumento de trabalho. Afinal, todo o custo de capital do veículo, depreciação e remuneração, e parte do custo de manutenção estão embutidos no desconto ao passageiro, inviabilizando a renovação do veículo e até mesmo as manutenções cotidianas.
Na prática, a cada final de viagem, o motorista “doa” uma fração do seu veículo para o passageiro. Evidentemente, a sociedade deseja pagar tudo mais barato, principalmente bens e serviços, mas a que custo indireto?
O aumento da poluição, da acidentalidade, dos congestionamentos e das tarifas do ônibus, lotação e táxi, somados com a diminuição da frequência destes modais, são os custos indiretos gerados por esta desregulação negligente.
A “uberização da economia” é o desejo de muitos, mas será que comprariam uma passagem aérea neste modo?
Por Antônio Augusto Lovatto – engenheiro de Transporte da ATP