Os subsídios públicos aos serviços de transporte coletivo por ônibus no Brasil finalmente chegaram. Atualmente, estão distribuídos de uma forma muito mais ampla, em praticamente todos os estados da União. Uma mudança importante: afinal, esse serviço é responsável por 86% dos deslocamentos de transporte coletivo no Brasil. Não que este modelo de financiamento não estivesse sendo praticado, mas poucas cidades utilizavam os subsídios como parte de suas políticas de transporte.

Evidente que a pandemia antecipou ou abreviou o momento de implantação deste aporte extratarifário em grande parte das cidades. Mas, desde o Plano Real, os sistemas de transporte coletivo já apresentavam uma fadiga e a redução gradativa da demanda.

Com a chegada dos aplicativos de transporte, em 2014, o sistema de transporte coletivo por ônibus saiu da enfermaria para a emergência; e, na pandemia, a UTI foi o caminho obrigatório. Os sistemas metroferroviários, em particular, passaram por todas estas crises sem solavancos, pois sempre foram e serão “blindados” em relação à perda de passageiros e de produtividade, com substanciais aportes financeiros governamentais.

Já o transporte público por ônibus sempre ficou à margem dos investimentos em infraestrutura como corredores, faixas exclusivas, plataformas e terminais; e também no custeio e manutenção do equilíbrio financeiro dos sistemas, mesmo o Brasil sendo um dos maiores produtores e exportadores de ônibus do mundo, com fábricas de carrocerias distribuídas em vários continentes. Ou seja, temos um excelente produto; o que falta, na verdade, é uma “interface” de qualidade entre o passageiro e o ônibus, terminais, paradas, informação, corredores e faixas exclusivas.

As cidades brasileiras “esqueceram” de olhar o transporte público por pneus como um serviço essencial e fundamental para o desenvolvimento econômico e social. Além disso, a crise na redução de demanda de passageiros urbanos é mundial. As cidades se organizaram de formas diferentes, os bairros adquiriram independência econômica, cultural e social que não existia há alguns anos. Além disso, temos os avanços tecnológicos e o barateamento dos veículos individuais.

O somatório de todos estes fatores, conjugado com os erros estratégicos por parte dos governantes, colocou as cidades de “joelhos”, na clemência por um aporte extratarifário, no momento da pandemia. Tivemos cidades brasileiras com o transporte totalmente suspenso, e capitais importantes nas quais a redução da oferta de viagens chegou a 40% dos níveis pré-pandemia, até porque a demanda de passageiros caiu para 20%.

Mas cidades como São Paulo e Curitiba vivenciaram uma realidade diferente da maioria, devido à existência de subsídios. A oferta de horários nunca baixou de 75%, conseguindo manter um mínimo de serviço para atender as necessidades básicas das populações.

Ocorre que, se não houver uma compreensão clara de que o subsídio ou aporte extratarifário não é para subsidiar empresa de ônibus e, sim, subsidiar o passageiro diretamente, o setor de transporte público terá pouco investimento em políticas públicas para aumentar a atratividade e a capilaridade. E os sistemas de transportes alternativos e aplicativos reinarão cada vez mais, no espaço deixado pela falta de regulamentação e fiscalização dos governos.

Tomara que não precisemos chegar na experiência chilena, onde a desregulamentação levou ao caos o sistema público de passageiros sob pneus, com elevações tarifárias, oferta elitizada e aumento dos congestionamentos e da poluição. Após dez anos, entenderam que aquele modelo de transporte deveria ser alterado, e retornaram ao sistema regulado.

Precisamos continuar seguindo as mesmas políticas de financiamento que cidades de primeiro mundo praticam há muitos anos, se desejamos ter cidades mais sustentáveis, privilegiando o coletivo e não o individual.

Antônio Augusto Lovatto – Engenheiro de Transporte da ATP