Por Otávio Cunha*
Várias cidades realizam, no início do ano, reajustes das tarifas do transporte público urbano, conforme previsão em contrato. Ao contrário da percepção da maioria, não é de interesse das empresas operadoras do sistema que os custos das passagens de ônibus aumentem. Todos perdem com os reajustes de tarifas – passageiros deixam de utilizar o transporte, empresas perdem competitividade. A evasão de demanda tem consequências diretas na arrecadação, criando um círculo vicioso.
Logo, é urgente esclarecer que esse serviço, prestado a partir de responsabilidades compartilhadas, tem fragilidades que desafiam todos os entes comprometidos com a melhoria do sistema de transporte coletivo brasileiro. Esclarecer a dinâmica dessa operação não significa apontar culpados, mas jogar luz sobre questões pouco conhecidas.
Os problemas do transporte público por ônibus estão muito além do aumento das tarifas. Elas são, na verdade, o reflexo da falta de políticas de prioridade ao coletivo. O ônibus urbano não tem vez nos investimentos públicos em infraestrutura e nem na liberação de recursos financeiros para suprir gargalos da operação do sistema, como as gratuidades, que são legítimas, mas precisam ter fontes de custeio específicas. Hoje, elas oneram em 21% o valor das passagens de ônibus, em média.
O ônibus transporta, diariamente, quase 40 milhões de pessoas no país e ainda é o principal meio utilizado pela população (45,2% de todos os deslocamentos motorizados são realizados por ônibus, segundo a pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, da CNT/NTU).
O tema é sensível, por isso é importante esclarecer que as tarifas públicas – que o usuário paga – são definidas pelo poder público conforme critérios políticos. Já as tarifas técnicas, que remuneram a prestação do serviço e são responsabilidade contratual das prefeituras, nem sempre são respeitadas.
Em função do caráter essencial do transporte público por ônibus, muitas vezes essas tarifas são estipuladas a partir de decisões políticas de cunho populista, que desrespeitam os contratos. Tem sido prática recorrente, por parte de prefeitos e governadores, o não cumprimento do reajuste resultante da tarifa técnica, um precedente perigoso.
Em consequência, o efeito cumulativo de tarifas represadas é sentido diretamente na degradação do transporte público. Para piorar a situação, o setor convive, ainda, com a descontinuidade administrativa na esfera pública, um grande entrave ao desenvolvimento do país.
Por outro lado, investir em transporte coletivo urbano traz muitos benefícios: a diminuição dos congestionamentos, trânsito mais ágil e seguro, redução do consumo de combustíveis e da poluiçãoambiental, redução de gastos públicos com acidentes e doenças, melhor qualidade de vida, entre outros.
Mesmo diante de todos os argumentos irrefutáveis, o setor de transporte público por ônibus segue à mercê do descaso das autoridades. O poder público insiste em ignorar sugestões de projetos e ações que visam à tão desejada qualidade do transporte público. Esta, infelizmente, jamais será alcançada enquanto somente a tarifa cobrada do passageiro for usada para o custeio do sistema de transporte público, como ocorre, hoje, no Brasil.
* Otávio Cunha é presidente executivo da NTU.
Fonte: Associação Nacional da Empresas de Transportes Urbanos – NTU