Ônibus é a principal forma de deslocamento para a população brasileira, correspondendo a 86% da demanda de transporte coletivo, além de atender 3.313 cidades pelo Brasil. O serviço é prestado por cerca de 1.800 empresas concessionárias, operando uma frota de 107 mil veículos. Elas geram 500 mil empregos diretos. Apesar da expressividade dos números, porém, essa forma de mobilidade vem perdendo passageiros ao longo dos anos, além de enfrentar, diariamente, a concorrência com o transporte individual nas principais vias expressas do país.
Dados de um levantamento elaborado pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) mostram que, em um ano, o número de pessoas que utilizam ônibus como meio de transportesofreu redução de 9,5%. Isso representa uma queda de 3,6 milhões de usuários de 2016 para 2017. É o quarto ano seguido de diminuição. Nas últimas duas décadas, aponta o estudo, houve um declínio de 35,6% de passageiros que pagam tarifas.
Na visão de Otávio Cunha, presidente executivo da NTU, o ônibus, como meio de transporte, deixou de ser interessante para o usuário. “A produtividade do setor caiu quase 40% nos últimos 24 anos e continua em queda. Percebe-se que o serviço de ônibus deixou de ser atrativo para o passageiro e perdeu para moto, carro, aplicativos sob demanda e até para o deslocamento a pé”, observa. Cunha também credita as perdas ao difícil cenário econômico do país, que culmina no alto número de desempregados.
De acordo com Pastor Willy Gonzales, professor de engenharia civil da Universidade de Brasília (UnB), o usuário busca agilidade no deslocamento. “Os passageiros prezam por rapidez. Nesse sentido, pessoas que possuem boa renda procuram um meio com mais flexibilidade. Em condições médias, alguns já mudam para a motocicleta”, ressaltou. “Falta resposta do Estado. Assim, há a chegada dos aplicativos ao mercado, possibilitando a flexibilização do sistema para o usuário, a um custo adequado, o que provoca inchaço de veículos particulares nas ruas.”
Outro dado que pesa no bolso da população é o aumento no número de pessoas com direito a usar o transportegratuitamente. Em 2017, 20,9% dos passageiros tinham isenção do valor da passagem – principalmente idosos e estudantes.
Competição desleal
As disputas por espaço entre veículos individuais e coletivos nas ruas das cidades podem ser facilmente notadas. De acordo com a NTU, o trecho que, há anos, um ônibus ocupava, transportando 48 pessoas, hoje é ocupado por 40 carros carregando o mesmo número de passageiros. O automóvel chega a tomar 70% do espaço viário.
Essa mudança também é sentida nas finanças. De 1999 para cá, o óleo diesel aumentou 193,4% em relação ao preço da gasolina e 248,8%, se comparado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).A tarifa é um dos principais indicadores dessa desigualdade. Enquanto os valores das passagens tiveram aumento de 847,5% num período de 24 anos, as despesas com a aquisição de veículos aumentaram 144,1%. Nesse período, o IPCA teve elevação de 387,09%. O incentivo concedido, nas últimas décadas, à indústria automotiva fomentou o sonho pela conquista do carro próprio no imaginário popular, desvalorizando o transporte coletivo.
A forte concorrência pelas ruas das cidades se reflete no precário sistema oferecido, incomodando o usuário. Caso de Lindalva Fonseca, 46 anos, diarista. “Transporte público é a pior coisa que tem. Além do engarrafamento em todas as cidades, ficamos muito tempo em uma parada esperando pelos ônibus, que estão quebrados e com qualidade ruim”, criticou a moradora de Águas Lindas, que gasta R$ 13,40 por dia com as tarifas. Para Otávio Cunha, presidente executivo da NTU, ter automóvel prejudica a melhora do transporte público. “O carro é um concorrente. Aqui no Brasil, é vendido como um sonho. Agora, na Europa e nos EUA, o veículo é apenas uma ferramenta que as pessoas guardam para emergências”, afirmou. “Não somos contra o automóvel, mas precisamos oferecer um transporte público de qualidade para incentivar o uso.”
Óleo diesel x combustíveis limpos
Durante seminário promovido na semana passada pela Lat.Bus, Feira Latino-Americana do Transporte, em São Paulo, representantes das principais montadoras do país procuraram estabelecer metas na procura de sustentabilidade global. Houve um consenso: a necessidade de acompanhar a evolução mundial em busca da proteção ao meio ambiente. Um dos principais entraves, porém, é a diferença de custo entre os combustíveis limpos e o diesel, principal fonte de abastecimento do transporte público.
“O ônibus, utilizando bateria, teria um gasto triplo. Uma mudança imediata não é possível. Isso pesaria em tarifas e subvenção, atingindo principalmente o passageiro. Agora, é claro que os empresários têm consciência em colaborar. A substituição da frota é gradual e atrelada a uma política nacional de mudanças de matriz energética”, disse Otávio Cunha, presidente executivo da NTU.
Pastor Willy Gonzales, professor de engenharia civil da UnB, apontou que o Brasil ainda está atrasado no avanço às novas formas de combustíveis. “Ainda estamos engatinhando. Brasília tem alguns veículos movidos a biodiesel, mas essa mudança tem que ser mais efetiva. Isso envolve uma maior participação das companhias”, disse.
“Brasília tem alguns veículos movidos a biodiesel, mas essa mudança tem que ser mais efetiva” Pastor Gonzales, professor da UnB
O sofrimento dos usuários
É comum o aumento expressivo no preço das tarifas de ônibus, ocasionado, principalmente, pelos gastos com mão de obra e óleo diesel. O combustível representa, atualmente, 22% do custo total do sistema, sofrendo um aumento de 254,1% em relação ao IPCA nos últimos 20 anos. Esse valor é repassado diretamente ao usuário, que tem a ação natural de esquivar-se. “A forma de financiamento, que une só a tarifa paga pelo passageiro, está ultrapassada, não acompanhando outros países”, destacou Otávio Cunha, presidente executivo da NTU.
Para Maria Ediléia, 40, diarista, as queixas não são centradas apenas no valor da tarifa. “Acredito que as passagens podiam amenizar, né? Pago R$ 6,40 só no trecho de ida. Além disso, em Brasília, não há um sistema total de integração. Poderia haver um maior número de faixas exclusivas para ônibus”, reclamou.
Já para Jurandir Rodrigues, 41, autônomo, o cenário enfrentado é delicado por tratar-se de Brasília. “Aqui é a capital do país. A tarifa é muito cara. Ônibus mais velhos também são constantes”, criticou.
Fonte: Correio Braziliense